“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

sábado, 27 de agosto de 2011

Aprofundamento Crise de 1929

À Beira Do Abismo
A quebra da Bolsa de Nova York em 1929 lançou o mundo em uma depressão econômica que durou quase toda a década de 1930. Um fantasma do passado que volta a nos assombrar com a crise dos mercados financeiros e as recentes quedas nas bolsas de valores de todo o mundo.
Por Osvaldo Coggiola professor titular da Universidade de São Paulo (USP)

     Há semelhanças e diferenças entre a atual crise financeira e a de 1929. Como hoje, o epicentro da crise de então foram os Estados Unidos, mas por razões distintas: naquele ano, os americanos estavam no ápice de um período de ascensão como potência capitalista. Entre 1870 e 1929, o produto industrial do país quadruplicou.
     Na época, já eram conhecidas as “crises cíclicas” da economia, caracterizadas por movimentos de preços — depois de um período de crescente valorização dos produtos, seguia uma baixa, num contexto liberal em que os movimentos econômicos se faziam praticamente sem obstáculos.
     As crises do século XIX se manifestaram como uma vigorosa baixa dos preços na economia. As empresas industriais reagiam baixando também os salários dos trabalhadores, e assim restabeleciam o seu equilíbrio num nível inferior. Era a fase de “depressão”, ou de “liquidação” da crise, antes que o sistema voltasse a uma dinâmica de crescimento.
     Desde 1925, apesar da euforia da expansão, a economia norte-americana apresentava problemas. A produção se desenvolvia em ritmo acelerado, mas os salários, não. Em consequência da progressiva mecanização da indústria e da agricultura, os trabalhadores perdiam vagas, e o desemprego crescia.
     Além disso, depois de se recuperarem dos prejuízos e da destruição da I Guerra, os países europeus passaram a concorrer nos mercados internacionais e a comprar cada vez menos dos Estados Unidos. Com a falta de consumidores externos e internos, começou a “sobrar” enormes quantidades de mercadorias, caracterizando uma crise de superprodução.
     As declarações otimistas dos homens de negócios continuavam, porém, a alimentar a corrente especulativa de alta no mercado. Os “capitães da indústria” reafirmavam sua esperança nos lucros futuros.
Em 12 de junho de 1928, verificou-se um primeiro recuo da Bolsa de Nova York: nesse dia, mais de 5 milhões de ações mudaram de mãos, com quedas de 23 pontos. A alta recomeçou a partir de julho. Em suas Memórias, o presidente americano da época, Herbert Hoover, estigmatizou, posteriormente, a especulação: "Há crimes piores que o assassínio, pelos quais os homens mereceriam ser injuriados e castigados".
     A animação com o aumento do preço das ações era tão grande que as pessoas tomavam empréstimos nos bancos para comprar títulos na Bolsa. Os estabelecimentos bancários de Nova York emprestavam a prazo curtíssimo, a juros de 12%, dinheiro que haviam tomado emprestado a 5% do Federal Reserve (o banco central americano).
     Enquanto o valor das ações subia, os investidores lucravam, e a euforia difundia-se com a credulidade geral. Os agentes financeiros emprestavam a seus clientes aceitando como garantia ações da Bolsa.
     O valor global das ações passou de US$ 27 bilhões a US$ 67 bilhões entre 1925 e 1929, com uma alta de US$ 20 bilhões só nos nove primeiros meses de 1929. Algumas carteiras de investimentos se valorizaram 700% em poucos meses. Havia crescimento cada vez maior — e totalmente descolado da produção.
     No início de outubro de 1929, alguns investidores começaram a apostar “na baixa”. Meses antes, em agosto, a taxa de juros havia sido elevada de 5% para 6%, numa tentativa de reduzir o volume de crédito, mas era tarde demais.
     A orgia de lucros, finalmente, estourou no dia 24 de outubro de 1929: as cotações da Bolsa de Valores de Nova York afundaram 50% em um só dia. Estes preços estabilizaram-se ao longo do fim de semana, para caírem drasticamente na quarta feira seguinte, 28 de outubro.
     Muitos acionistas entraram em pânico. Cerca de 16,4 milhões de ações subitamente foram postas à venda em 29 de outubro, a “quinta-feira negra”. O excesso de ofertas de venda, e a falta de compradores, fizeram com que os preços destas ações caíssem cerca de 80%. Até o fim do mês, seguiram-se novas derrubadas de preços e uma onda de falências (22.900 em 1929; 31.800 em 1932). Milhares de acionistas perderam grandes somas em dinheiro. Muitos perderam tudo o que tinham.
     Os preços dessas ações continuariam a flutuar, caindo gradativamente nos próximos três anos. As pessoas decidiram cortar gastos, em especial os endividados. A recessão estendeu-se aos setores industrial e comercial americano, o que levou ao fechamento inúmeras empresas, o que elevou drasticamente as taxas de desemprego.
     A venda a crédito quase desapareceu. A produção industrial caiu 45%. Os lucros afundaram. A renda nacional recuou de US$ 87,4 bilhões em 1929 para US$ 41,7 bilhões em 1932. A massa salarial, de US$ 50 bilhões para US$ 30 bilhões. Os preços encolheram 30%, na média.
     Um aspecto original da crise de 1929 consistiu na amplitude da depressão no campo. A transformação capitalista o fez entrar em cheio na crise, com repercussões gerais. A situação dos bancos era agravada porque muitos deles haviam emprestado grandes somas aos fazendeiros. Com a crise, estes tornaram-se incapazes de pagar suas dívidas. Entre 1929 e 1933, os preços dos produtos industrializados não perecíveis caíram 25%; os dos produtos agropecuários, 50%. As consequências sociais nos Estados Unidos foram espantosas. Os trabalhadores sofriam não só pelo desemprego, mas também pela redução salarial e dos horários de trabalho. Não havia seguro-desemprego, só caridade.
     Surgiram as hoovervilles (cujo nome é uma “homenagem” ao presidente Hoover), verdadeiras favelas de “excluídos”. E também as sopas populares e os abrigos para sem-teto, sempre cheios. Em Chicago, o lixo era “revisado” e reaproveitado por uma enorme massa de pobres.
     Em 1932, estimava-se que um milhão e meio de jovens faziam parte de “bandos de errantes”, sem destino. Muitos dos jovens das áreas rurais abandonaram suas fazendas e suas famílias, buscando a sorte nas cidades. Juntamente com os desempregados urbanos, viajavam de cidade a cidade, “pegando carona” em trens de carga, em busca de emprego.
     A subalimentação produziu um surto de tuberculose. O número de matrimônios caiu 30%, e o de nascimentos, 17%. Os proventos dos trabalhadores experimentaram um retrocesso global, sem precedentes.
     Grupos étnicos minoritários e imigrantes dos países mais atingidos passaram a ser discriminados porque, supostamente, competiam com a "população nativa" pelos empregos. A discriminação era alentada por grupos nacionalistas de direita. Isto fez com que as taxas de imigração caíssem sensivelmente no Canadá e nos Estados Unidos. Apenas nesses dois países, o número de desempregados elevou-se para 18 ou 20 milhões.
     A crise de 1929 teve consequências inteiramente novas. Todo o aparelho de crédito sobre o qual vivia a economia americana se desestruturou. Esse processo chega ao pior momento no início de 1933, numa ameaça de bancarrota geral, no momento exato em que o democrata Franklin Delano Roosevelt chegava ao poder.
     Ao mesmo tempo, a retirada dos créditos americanos de curto prazo resultou, em 1931, no desmoronamento financeiro da Europa Central e na impossibilidade, para a Grã-Bretanha, de honrar seus compromissos externos.
     A crise atingiu o mundo todo. Em 1932, a produção mundial tinha caído 33% em valor; o comércio mundial, 60%; o Birô Internacional do Trabalho, em um cálculo que pode ser considerado modesto, contabilizava 30 milhões de desempregados. Os países mais atingidos pela crise, além dos Estados Unidos, foram à Alemanha, Austrália, França, Itália, o Reino Unido e o Canadá.
     Não se tratava da primeira quebra da Bolsa, depois de uma grande alta especulativa. Desta vez, porém, as consequências foram tais que se achou que a quebra fosse a causa da crise propriamente dita. Mas certos índices econômicos já haviam mudado de sentido antes de outubro, embora muito ditos entendidos de então julgassem ter descoberto o segredo de uma prosperidade econômica contínua.
     As consequências políticas não foram menores. Empossado em 4 de março de 1933, Roosevelt aumentou os poderes presidenciais. A “democracia americana” pendeu por um fio. A posse de Roosevelt, com seu “discurso da virada”, aconteceu exatamente um dia antes que Adolf Hitler, na Alemanha, conseguisse os “poderes totais” para governar por decreto. A crise parecia enterrar as “democracias”.
     Diferente de uma crise cíclica de tipo clássico, a depressão econômica não se resolveria “sozinha”. As primeiras medidas eficazes foram adotadas a partir de 1932-1933, quase simultaneamente por Roosevelt nos Estados Unidos e por Hjalmar Schacht na Alemanha nazista, e foram, anos mais tarde, teorizadas pelo economista britânico John Maynard Keynes.
     Segundo Michel Beaud, “a uma saída capitalista para a crise, que impunha enormes sacrifícios à classe operária e se arriscava assim a levar a inquietantes confrontos, Keynes propunha uma outra saída capitalista que, mediante uma retomada a atividade, possibilitasse reduzir o desemprego, sem amputar o poder de compra dos trabalhadores”.
As políticas possuíam um fundo comum: a intervenção do Estado para a solução dos problemas econômicos. Embora as variantes da política intervencionista fossem de caráter nacional, algumas medidas foram comuns: protecionismo alfandegário, desvalorização monetária, subvenções governamentais a empresas privadas e aumento dos gastos públicos. Nos Estados Unidos, especificamente, o New Deal significou medidas intervencionistas visando a atenuar a crise, atuando com um caráter emergencial.
     Foi com base na Lei de Guerra de 1917 que foi proclamado o fechamento de todos os bancos. Durante as férias bancárias, o Tesouro elaborou a [Emergency Banking Act], negociada com os grandes monopólios, para contrabalançar o peso da ala intervencionista do governo, que reclamava a nacionalização de todo o sistema do crédito.
     Roosevelt fez aprovar o [New Deal] (Novo Acordo, cujo nome foi inspirado no #Square Deal# do ex-presidente Theodore Roosevelt), fornecendo ajuda social às famílias e pessoas que necessitassem e criando empregos por meio de parcerias entre o governo, empresas e consumidores. Nos anos seguintes, diversas agências governamentais foram criadas para administrar os programas de ajuda social.
     O papel do regime de Roosevelt consistiu em salvar temporariamente o capitalismo, abandonando o tradicional liberalismo econômico americano. Usou os recursos financeiros do Estado para socorrer as empresas bancárias e comerciais e fez votar as leis que restringiram a concorrência e permitiram a alta dos preços, favorecendo o capital monopolista. Manteve o descontentamento das massas trabalhadoras urbanas e rurais sob controle dentro de uma política de concessões, como um sistema de aposentadorias e de seguro-desemprego.
     O capitalismo americano, auxiliado pelo Estado, aliviou-se da crise. A produção elevou-se acima do nível de 1932 e pode novamente proporcionar lucros em certos ramos. Essa retomada foi devida mais aos gastos governamentais do que a uma reativação da indústria privada.
Tudo isso fez a economia norte-americana retornar aos níveis anteriores a 1929 nas vésperas da Segunda Guerra, embora o desemprego jamais tenha sido extinto, persistindo a grande cifra de mais de oito milhões de desempregados em 1940. Isso só seria solucionado com a passagem para uma economia de guerra.
     Na Alemanha, a crise de 29 agravou os resultados da hiperinflação de 1923. Às classes médias desesperadas, os nazistas propunham remédios contra a angústia: xenofobia, racismo e nacionalismo exacerbado, acompanhados de uma demagogia anticapitalista que culpava os judeus pela crise.
     O partido nazista usava a violência e o terror contra seus “inimigos”, para demonstrar a seu “público” sua determinação em atingir seus objetivos. Os países democráticos não foram poupados pela onda: sem chegar à polarização da Alemanha, na Grã Bretanha tanto o Partido Comunista quanto o Partido Fascista britânico receberam considerável suporte popular.
     Na segunda metade da década de 1930, depois da vitória do fascismo na Itália (1923) e do nazismo na Alemanha (1933), a Guerra Civil Espanhola resumiu o destino da Europa. A vitória de Franco, auxiliado por Hitler e Mussolini, selou o caminho para a Segunda Guerra Mundial. Nos diversos países, a economia de guerra pôs fim definitivo à crise. A “economia” (capitalista) se salvou, mas o mundo viveria o maior conflito da história da humanidade.

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