“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

domingo, 10 de julho de 2011

Quase dois irmãos

As semelhanças e diferenças entre os integralistas e nazistas brasileiros
     Em “O grande ditador”, famoso filme de Charles Chaplin, ocorre um encontro entre Hitler e Mussolini, no qual os dois passam o tempo todo querendo mostrar que um é melhor do que o outro. As cenas hilariantes ilustram os problemas de relacionamento entre os movimentos reconhecidos como fascistas, que se alastraram pelo mundo entre os anos 1920 e 1940. Aqui no Brasil, as relações entre integralistas e nazistas também foram marcadas por vários tipos de problemas.
     Mesmo que muitos pensem até hoje que a Ação Integralista Brasileira (AIB) foi um simples apêndice do Partido Nacional-Socialista ou, na melhor das hipóteses, uma imitação tupiniquim do partido alemão, a situação era um pouco mais complicada. Se olharmos para o período anterior a 1938, o quadro que se tinha era: integralistas e nazistas atuando de forma bastante livre dentro do país. De 1938 a 1941, a situação mudou, pois ambos foram proibidos de se manifestar politicamente, mas os governos brasileiro e alemão continuaram tentando uma amizade. E depois de 1942 houve nova mudança, quando os dois países declararam guerra, um contra o outro. Além disso, essa análise também depende do que estamos observando – a posição oficial da AIB ou do Partido Nazista, ou a de militantes regionais e locais?
     Ao contrário de muita coisa que se lê por aí, ainda não foram encontrados documentos que provem que o governo alemão ou o partido nazista teriam apostado suas fichas no integralismo de 1933 a 1938. Havia várias razões para que o governo alemão e a cúpula partidária se mantivessem relativamente neutros em relação ao “irmãozinho” brasileiro. A Alemanha tinha muito interesse em aprofundar relações comerciais com o Brasil e, por essa razão, esforçava-se para manter boas relações com Getúlio Vargas. E não seria de bom-tom se aproximar de uma força política que não estava no poder.
     Por outro lado, os integralistas procuravam demonstrar seu distanciamento em relação à Alemanha e seu partido, pois queriam ser vistos como um produto tipicamente brasileiro – que não era cópia do nazismo e muito menos dependia dele. Por isso, de vez em quando eles até criticavam algumas posturas do partido alemão. Além do mais, havia questões básicas que impediam uma aproximação total e irrestrita de ambas as facções. Uma delas dizia respeito ao conceito de nação. O nazismo defendia um estado baseado na ideia de raça pura; o integralismo, em contrapartida, adotou o modelo da miscigenação como o ideal a ser alcançado num possível regime integralista.
     Isso não causaria maiores problemas se os nazistas se restringissem à Alemanha e os integralistas ao Brasil. Mas o fato é que havia uns 2.900 nazistas, mais de 100 mil cidadãos alemães e algumas centenas de milhares de descendentes espalhados por todo o território brasileiro. E isso poderia representar um problema. Mesmo que os integralistas fizessem malabarismos para evitar o mal-estar, não podiam negar que no regime que implantariam, caso chegassem ao poder, seriam postas em prática políticas de miscigenação e de homogeneização cultural. Isso representava uma ameaça à vida cultural alemã dentro do país.

     A coisa ia mais longe ainda. Em termos religiosos, o luteranismo deu mais apoio ao nazismo do que o catolicismo. Plínio Salgado fazia questão de dizer que a religiosidade era condição essencial para um militante do integralismo, ainda que não houvesse preferência por uma doutrina específica. Mas isso não passava de teoria. Na prática, não dava para negar que havia uma simpatia pelo catolicismo, e sua influência estava subentendida em toda a doutrina integralista.
     É claro que movimentos políticos não se valem somente de doutrinas abstratas, e se caracterizam pela militância concreta no dia a dia. Sob essa perspectiva, era possível encontrar de tudo pelo Brasil afora. Havia nazistas combatendo o integralismo e vice-versa, assim como simpatizantes das duas correntes políticas atuando em conjunto. A cartilha oficial, portanto, nem sempre era a norma. O que explica a existência de sedes partidárias lado a lado em alguns lugares e os anúncios de representantes de ambos os lados num mesmo jornal. Houve até o caso de um fazendeiro integralista que chegou a marcar seu gado com a suástica. Essas coisas aconteciam tanto em regiões interioranas, por conta da configuração política local, como em grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro. Mas o “nativismo” integralista também era alvo de duras críticas, principalmente nas “bases” nazistas.
     Mesmo que houvesse uma ou outra divergência na cúpula partidária e governista alemã em relação ao integralismo, o esforço para manter a neutralidade vigorou por muito tempo, inclusive depois que o governo Vargas deu início à política de “nacionalização”, que primeiro proibiu as escolas das comunidades imigrantistas e depois fechou as instituições culturais. Por fim, proibiu o uso das próprias línguas estrangeiras. Ainda em 1940, Gustavo Barroso – supostamente o integralista mais simpático ao nazismo, em função de seu feroz antissemitismo – fez uma viagem à Alemanha. É possível que existam outros relatórios sobre essa visita, mas o que está disponível para averiguação no Geheimes Staatsarchiv (Arquivo Secreto do Estado), em Berlim, mostra que as restrições manifestadas durante a década de 1930 não haviam desaparecido. Isso porque, perguntado sobre o tratamento que um possível futuro regime integralista daria à “minoria” alemã no Brasil, o visitante teria se esquivado a dar uma resposta clara.
     A pesquisa histórica ainda não avançou muito para esclarecer o que realmente ocorreu no período posterior à declaração de guerra entre Brasil e Alemanha, em 1942. Há indícios de que agentes alemães entraram em contato com Plínio Salgado, exilado em Portugal, para que juntos estabelecessem formas de convivência após a esperada vitória alemã na guerra. Os nazistas e o integralista estariam, naquele momento, praticando futurologia. Os historiadores não são futurólogos, e por isso, infelizmente, não têm como responder a uma pergunta incômoda que ouvem com muita frequência: “E se o nazismo tivesse vencido a guerra, como ficaria a sua relação com os integralistas?”

René E. Gertz é professor de História na PUC-RS e na UFRGS e autor de O fascismo no sul do Brasil: germanismo, nazismo, integralismo (Mercado Aberto, 1987).

Saiba Mais - Bibliografia
Delegacia de Ordem Política e Social de Santa Catarina. O punhal nazista no coração do Brasil. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado, 1943.
HILTON, Stanley E. A guerra secreta de Hitler no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

Saiba Mais – Links

Saiba Mais – Documentário
Sem Palavras
Sem Palavras resgata as vivências dos descendentes de alemães sobre a perseguição ocorrida durante a Segunda Guerra Mundial no Sul do Brasil, região colonizada por alemães no século 19. A Campanha de Nacionalização do presidente Getúlio Vargas e a entrada do Brasil na Guerra em 1942, contra os países do Eixo, aumentou a repressão aos estrangeiros e imigrantes daqueles países. O documentário mostra um dos lados da história, relatado por quem era criança e descendente de alemão nos anos 1940. A memória é subjetiva, porém verdadeira, mesmo quando parece distorcida dentro da história oficial, essa sim muito mais complexa.
Direção: Kátia Klock
Ano: 2009
Áudio: Português
Duração: 52 minutos

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